sábado, 27 de abril de 2019

GERAÇÃO NUTELA


Quem são eles?

Dormem na cama dos pais ate quando querem. Largam mamadeira e chupeta quando querem. Só comem o que querem. E dai? Que mal faz?

Social aos 11 anos.
Melhor celular a cada Natal.
25h/dia no "Fortnite".
Surdos com seus fones de ouvido.
Centenas de amigos virtuais.
Não pensam nos riscos.
Vida social? Se não for top, nem vou. Alto grau de exigência. Conseguem tudo o que querem. E dai? Que mal faz?
Os pais não precisam brincar.
O celular faz isso.
Os pais não precisam buscar nas festas.
O Uber faz isso.
Os pais não precisam cozinhar.
O I food faz isso.
Os pais não precisam nem educar. A escola integral faz isso.
E dai? Que mal faz?

Nem pensam que tudo o que o filho quer é "um puxão de orelha" e uma bronca: "hoje não é dia de festa! Vai comer comida que presta!" Criar filhos está "mais fácil", mais cômodo, afinal, a criança resolve tudo com cliques na tela. E dai? Que mal faz?

Ler para o filho? Cantar musica e fazer cafuné? Luxo para poucos. Os pais estão desconectados. Precisam de ajuda, mas só aceitam quando a bomba explode.

Pais e filhos sob o mesmo teto mas diálogo zero. Nem um filme na Netflix. Mas sempre conseguem aquela "selfie" de família perfeita. Afinal, o que importa é mostrar que é feliz. Ter mil curtidas.

Mal sabem o que é um jogo de tabuleiro. Só jogam Uno. É rápido e não tem que pensar muito. Pensar virou uma coisa que dói. Fazer criança pensar parece que é fazê-la sofrer.

E o que você quer ser quando crescer?

Youtuber. Blogueira. Vlogueira.
Digital influencer.
Estudar, entrar na faculdade, se especializar... imagina!!
Não sei esperar.
Não sei ouvir não.
Não sei o que é frustração e rejeição.
Culpa de quem?
Ops! Não se pode falar nisso.
Não pode é mais nada.

Não pode dar palmada, não pode falar alto, nem em pé com a criança. Não pode castigo. Não pode nem falar não.

E o tempo passando. Os filhos crescendo. Drogas e suicídio aumentando.
Querem tudo pra já.
Bem no esquema "venha a nós o vosso reino, seja feita a tua vontade, assim na terra como no céu". E ai do adulto que não disser "amém".








Texto: Denise Dias - Terapeuta

quinta-feira, 4 de abril de 2019

Nos braços da solidão


No final da tarde fria, recebo a visita inesperada dos meus dois filhos. Um médico, outro engenheiro. Ambos bem sucedidos em suas profissões. Faz menos de uma semana da morte da minha mulher. Ainda me sinto abatido pela perda que mudou os rumos e o sentido da vida para mim.

Sentados à mesa da sala da casa simples, onde moro agora sozinho, começamos a conversar. O assunto é sobre o meu futuro.

Um frio me percorre a espinha. Logo tentando me convencer de que o melhor para mim é passar a viver num lar geriátrico. Reajo. Argumento que a sombra da solidão não me assusta. A velhice, muito menos. Mas, meus filhos insistem. Dizem que gostariam que eu fosse morar com um ou outro. Lamentam, entretanto, que as dependências de seus amplos apartamentos à beira-mar estejam ocupadas. Além disso, eles e minhas noras trabalham os dois expedientes. Portanto, não teriam como me assistir. Isso sem contar com os meus netos, sempre impossíveis.

Em meu favor, argumento já sem muita convicção que, nesse caso, eles bem que poderiam me ajudar a pagar uma cuidadora. À minha frente, o médico e o engenheiro dizem que seriam necessárias, na verdade, três cuidadoras em três turnos e todas com carteira assinada. O que gostaria, em tempos de crise, uma pequena fortuna ao fim de cada mês. Sucumbo à proposta de ir viver num abrigo. Aí vem outra sugestão: preciso vender a casa. O dinheiro servirá para pagar as despesas do lar geriátrico por um bom tempo, sem que ninguém se preocupe. Nem eles, nem eu.

Rendo-me aos argumentos por não ter mais forças de enfrentar tanta ingratidão. Não falo sobre o sacrifício que fiz durante toda a vida para custear os estudos de ambos. Não digo que deixei de viajar com a família a passeio, de frequentar bons restaurantes, de ir a um teatro ou trocar de carro para que nada faltasse a eles. Não valeria a pena alegar tais fatos a essa altura da conversa. Daí, sem dizer uma só palavra, decido juntar meus pertences. Em pouco tempo, vejo uma vida inteira resumida a duas malas. Com elas, embarco rumo a outra realidade, bem mais dura. Um abrigo de idosos, longe dos filhos e dos netos.

Hoje, nos braços da solidão, reconheço que consegui ensinar valores morais aos meus filhos. Mas não consegui transmitir a nenhum dos dois uma virtude chamada gratidão.


                                                                                                  Autor: Jacques Cerqueira