quarta-feira, 7 de abril de 2021

Você pode ter defeitos, viver ansioso e...

  

Você pode ter defeitos, viver ansioso e ficar irritado algumas vezes,mas não se esqueça de que sua vida é a maior empresa do mundo. E você pode evitar que ela vá a falência. Há muitas pessoas que precisam, admiram e torcem por você.

Gostaria que você sempre se lembrasse de que ser feliz não é ter um céu sem tempestade, caminhos sem acidentes, trabalhos sem fadigas, relacionamentos sem desilusões.

Ser feliz é encontrar força no perdão, esperança nas batalhas, segurança no palco do medo, amor nos desencontros.

Ser feliz não é apenas valorizar o sorriso, mas refletir sobre a tristeza. Não é apenas comemorar o sucesso, mas aprender lições nos fracassos. Não é apenas ter júbilo nos aplausos, mas encontrar alegria no anonimato.

Ser feliz é reconhecer que vale a pena viver, apesar de todos os desafios, incompreensões e períodos de crise.

Ser feliz é deixar de ser vítima dos problemas e se tornar um autor da própria história. É atravessar desertos fora de si, mas ser capaz de encontrar um oásis no recôndito da sua alma. É agradecer a Deus a cada manhã pelo milagre da vida.

Ser feliz é não ter medo dos próprios sentimentos. É saber falar de si mesmo. É ter coragem para ouvir um “não”. É ter segurança para receber uma crítica, mesmo que injusta.

Ser feliz é deixar viver a criança livre, alegre e simples que mora dentro de cada um de nós. É ter maturidade para falar “eu errei”. É ter ousadia para dizer “me perdoe”. É ter sensibilidade para expressar “eu preciso de você”. É ter capacidade de dizer “eu te amo”. É ter humildade da receptividade.

Desejo que a vida se torne um canteiro de oportunidades para você ser feliz. E, quando você errar o caminho, recomece. Pois assim você descobrirá que ser feliz não é ter uma vida perfeita. Mas usar as lágrimas para irrigar a tolerância. Usar as perdas para refinar a paciência. Usar as falhas para lapidar o prazer. Usar os obstáculos para abrir as janelas da inteligência.

Jamais desista de si mesmo.
Jamais desista das pessoas que você ama.
Jamais desista de ser feliz, pois a vida é um espetáculo imperdível, ainda que se apresentem dezenas de fatores a demonstrarem o contrário.

                                
                          ( Trecho adaptado do livro "Dez leis para ser feliz", de Augusto Cury).

quinta-feira, 1 de abril de 2021

Todos os meus pais

Eu era criança, terceiro de quatro filhos de uma família de classe média do interior do Rio Grande do Sul. Minha mãe, como se dizia na época, era “do lar”. Meu pai, advogado, político e professor. A infância foi consumida entre o colégio católico, brincar e ir para a praia no verão. De quando em vez, ficar na casa da minha avó materna. A autoridade dos meus pais era inquestionável, especialmente da minha mãe. Ambos pareciam sábios. Minha confiança era absoluta. Machucados, fome, compra de roupas, autorizações em geral? Favor dirigir-se ao balcão materno. Dúvidas de livros, pedidos de verba suplementar, questões vernáculas? O guichê era o paterno. O mundo era sólido, o amor parecia perfeito e tudo transcorria entre natais abundantes, ninhos de Páscoa, churrascos e a voz grave da babá com o original nome (verdade!) de... Zelosa. Fazia redações em maio e agosto sobre a perfeição dos pais.

Eu cresci ou mudaram os natais? Na adolescência, passei a me irritar com meu pai. “Você é filho do dr. Karnal?”, a frase obrigatória me perturbava na cidade pequena. Meu ser, em ebulição hormonal e descontrole, via defeitos enormes no homem que me gerara. Entre outros, graves, crime de lesa-pátria, erros hediondos: ele sempre fazia a sesta depois do almoço! Em outra ocasião, faltou a um recital de piano meu. Já imaginaram a gravidade disso? Deveria perder o então existente princípio do pátrio poder! Minha mãe me parecia invasiva e autoritária, sempre querendo saber de tudo. A comida e o dinheiro continuavam interessantes, mas os geradores dos bens não! Eu achava que os pais dos meus colegas de escola, em geral, pareciam melhores do que os meus.

Cresci. Entre a admiração cega da infância e a distância irrefletida da adolescência, surgiu a terceira geração de pais na minha consciência: seres humanos amorosos e com defeitos, a quem eu devia quase tudo. Morando fora, tinha saudade aguda de casa e da família. Um dia, olhando um velho relógio de pulso que meu pai me dera e que era dele havia décadas, chorei por muito tempo. Estudava longe e o frio do mundo aquecia a memória do lar.

Houve um quarto parto de pais. Eles envelheceram e foram amparados e cuidados por todos nós. Achaques da idade, declínios de memória, médicos em profusão, manias geriátricas: os quatro filhos viraram pais dos pais.

Na velhice deles, inverteu-se o curso do rio. Agora a água do afeto era para os dois. Os natais? Os aclamados e aguardados natais familiares eram organizados por nós. O objeto da nossa natividade? Eles. A parte chata (louça, cardápio, músicas, decoração e pagamentos) era nossa. A parte lúdica era deles. A cada celebração, muitas alegrias e uma pergunta velada: estarão aqui no ano que vem? A vida foi se tornando frágil e a chama da vela da existência parecia bruxulear.

Um dia, houve uma visita a um oncologista que determinou uma angustiante notícia e um horizonte de brevidade para meu pai. Foi devastador. Chegava o temido fim. Sete anos depois e infindáveis internações, apagou-se a vida da minha mãe.

Sem eles, emergiu a última memória e o derradeiro parto. Saudade forte, choros de quando em vez, humor nas lembranças e repetição de frases e hábitos. As lembranças tornaram-se cálidas. Toda vez que uso uma abotoadura do meu pai ou quando vejo uma foto da minha mãe, voltam-me universos dos muitos progenitores que eu tive, reunidos sob dois nomes apenas.

Os natais continuaram, as páscoas seguiram, os netos cresceram... Pais perfeitos, imperfeitos, humanos, canonizados, relembrados, reais, reinventados a cada nova curva da nossa biografia. Estão lá, sempre os mesmos e sempre diversos. As figuras variam de acordo com o grau dos óculos que utilizo e da minha vida que avança.

Como você, querida leitora, como você, estimado leitor, tive muitos pais e apenas dois. O recorte do amor é atemporal, a percepção dele depende do tempo.


Vi meus pais sob a luz forte do verão e no declínio do inverno. Penso neles com imenso amor no meu outono. Eram pais para todas as estações. Eles eram, afinal, o tronco que perde folhas, mas está sempre lá.

Várias vezes vi jovens fazendo o mesmo que eu fiz. Críticos dos pais, irritados, sentindo-se infelizes com idiossincrasias maternas ou paternas. Entendo perfeitamente. Aceito, igualmente, que a mangueira dará manga e que nunca estarei longe do pé ao cair da copa original. Sou o fruto de árvores genéticas e psíquicas. Tenho história, tenho biografia, tenho DNA e estrutura deles. E quando alguém rola, rola e rola para longe, irritado com as árvores geradoras, eu sorrio: vá florescer em outro sítio, querida manga rebelde. Faça tudo diferente e... gere mangas originais, só suas, absolutamente suas e... idênticas às frutas de onde você fugiu. Não é uma maldição. É um legado! A herança do amor. Apague tudo, delete o máximo possível, rasgue e queime lembranças: um sorriso afetivo de um casal continuará lá... Choro hoje, atravessado pela saudade e pela vontade enorme de um momento a mais com eles. Ah, se eu soubesse amar do jeito que fui amado! Boa semana para pais e filhos. Esta história nunca poderá ser reparada.



                                  Texto do Leandro Karnal, publicado no “Estadão”, edição de 14/03/21.

Reza de Mãe

 

Nem imagino onde eles estão agora.

Era mais fácil quando vestiam o pijama

e pediam a história do elefante azul.

Parece que restou um cheirinho de talco

na almofada do quarto;

deve ser só impressão…

Nesse tempo, eu não tinha medo da noite;

ela era o telhado dos poetas;

as sombras eram apenas a franja

mal aparada dos anjos.

A trava na porta me bastava.

Hoje, as camas vazias me assustam.

Elas acusam o passar das horas

e denunciam a revoada dos pardais,

os meus pardais.

Já não posso abrir minhas asas sobre eles.

São pequenas demais para cobri-los.

Ainda bem que me resta a prece,

minha aliada nos dias de nuvens e

nas madrugadas sem fim.

Peço perdão pela insistência,

mas reza de mãe é assim mesmo:

pura perseverança.

Que Deus abençoe minhas crianças

de barba na cara e calçado quarenta e dois

(o resto na vida é secundário e fica pra depois);

que as ilumine com Seu sorriso

e, se preciso, acione Seu séquito de estrelas

(se tiver de usá-las, prometo devolvê-las).

E quando o cansaço me quiser já recolhida,

hei de poder sorrir pela missão cumprida.




                                                                 (Flora Figueiredo in “Chão de Vento”)