terça-feira, 1 de junho de 2021

O QUE A MEMÓRIA AMA, FICA ETERNO

              
Quando eu era pequena, não entendia o choro solto da minha mãe ao assistir a um filme, ouvir uma música ou ler um livro. O que eu não sabia é que minha mãe não chorava pelas coisas visíveis. Ela chorava pela eternidade que vivia dentro dela e que eu, na minha meninice, era incapaz de compreender.

O tempo passou e hoje me emociono diante das mesmas coisas, tocada por pequenos milagres do cotidiano.

É que a memória é contrária ao tempo. Enquanto o tempo leva a vida embora como vento, a memória traz de volta o que realmente importa, eternizando momentos. Crianças têm o tempo a seu favor e a memória ainda é muito recente. Para elas, um filme é só um filme; uma melodia, só uma melodia. Ignoram o quanto a infância é impregnada de eternidade.

Diante do tempo, envelhecemos, nossos filhos crescem, muita gente parte. Porém, para a memória, ainda somos jovens, atletas, amantes insaciáveis. Nossos filhos são crianças, nossos amigos estão perto, nossos pais ainda vivem.

Quanto mais vivemos, mais eternidades criamos dentro da gente. Quando nos damos conta, nossos baús secretos – porque a memória é dada a segredos – estão recheados daquilo que amamos, do que deixou saudade, do que doeu além da conta, do que permaneceu além do tempo.

A capacidade de se emocionar vem daí, quando nossos compartimentos são escancarados de alguma maneira. Um dia você liga o rádio do carro e toca uma música qualquer, ninguém nota, mas aquela música já fez parte de você – foi o fundo musical de um amor, ou a trilha sonora de uma fossa – e mesmo que tenham se passado anos, sua memória afetiva não obedece a calendários, não caminha com as estações; alguma parte de você volta no tempo e lembra aquela pessoa, aquele momento, aquela época...

Amigos verdadeiros têm a capacidade de se eternizar dentro da gente. É comum ver amigos da juventude se reencontrando depois de anos – já adultos ou até idosos – e voltando a se comportar como adolescentes bobos e imaturos. Encontros de turma são especiais por isso, resgatam as pessoas que fomos, garotos cheios de alegria, engraçadinhos, capazes de atitudes infantis e debilóides, como éramos há 20 ,30 ou 40 anos. Descobrimos que o tempo não passa para a memória. Ela eterniza amigos, brincadeiras, apelidos... mesmo que por fora restem cabelos brancos, artroses e rugas.

A memória não permite que sejamos adultos perto de nossos pais. Nem eles percebem que crescemos. Seremos sempre "as crianças", não importa se já temos 30, 40 ou 50 anos. Pra eles, a lembrança da casa cheia, das brigas entre irmãos, das estórias contadas ao cair da noite... ainda são muito recentes, pois a memória amou, e aquilo se eternizou.

Por isso é tão difícil despedir-se de um amor ou alguém especial que por algum motivo deixou de fazer parte de nossas vidas. Dizem que o tempo cura tudo, mas não é simples assim. Ele acalma os sentidos, apara as arestas, coloca um band-aid na dor. Mas aquilo que amamos tem vocação para emergir das profundezas, romper os cadeados e assombrar de vez em quando. Somos a soma de nossos afetos, e aquilo que amamos pode ser facilmente reativado por novos gatilhos: somos traídos pelo enredo de um filme, uma música antiga, um lugar especial.

Do mesmo modo, somos memórias vivas na vida de nossos filhos, cônjuges, ex-amores,nossos amigos, irmãos. E mesmo que o tempo nos leve daqui, seremos eternamente lembrados por aqueles que um dia nos amaram.


Texto atribuido recebido pelo WhatsApp com autoria atribuida a Adélia Prado - Poetisa, professora, filósofa, romancista e contista brasileira ligada ao Modernismo.
                                                                               

QUANDO OS PAIS ENVELHECEM, DEIXA-OS VIVER …


Deixa-os envelhecer com o mesmo amor que eles te deixaram crescer … 

Deixa-os falar e contar repetidamente as histórias com a mesma paciência e interesse que eles escutaram as tuas quando eras criança … 

Deixa-os vencer, como tantas vezes eles te deixaram ganhar … 

Deixa-os conviver com os seus amigos, conversar com os seus netos … 

Deixa-os viver entre os objetos que os acompanharam ao longo do tempo para não sentirem que lhes arrancas pedaços das suas vidas … 

Deixa-os enganarem-se, como tantas vezes tu te enganaste … 

DEIXA-OS VIVER e procura fazê-los felizes na última parte do caminho que lhes falta percorrer, do mesmo modo que eles te deram a mão quando iniciavas o teu.


 
                                                                                      (Desconheço a autoria)

Carta ao TEMPO


Olá Tempo!
Lembra-te de mim? Não deve lembrar né?
Você passou por mim voando e eu pouco percebi. Foi o meu espelho quem te denunciou.
Por que não me informou que eu seria seu passageiro nessa viagem? E por que você não me avisou que o futuro era um lugar incerto e imprevisível?
Hoje, na solidão dos meus dias, a saudade, a nostalgia, de vez em quando me transportam para o passado e eu me pego tentando encontrar respostas para perguntas que há muito deveria ter feito e não te fiz.
Cadê Irene? Para onde você a levou? Você pode até dizer: Ah! Irene foi uma paixãozinha de colégio, singela e frívola que não era correspondida. E dai? mas em contrapartida ela me enchia de fantasias. E não interessava se a aula era de história, português ou Geografia, foi ela quem me ensinou a conjugar os verbos amar e sonhar em todos os tempos verbais e hoje você me manda conjugar o verbo desiludir? Me recuso a atende-lo. A gente não se desilude do que deixa saudade, mas daquilo que deixa frustração.
Oh! Tempo ingrato, você passou e não me alertou que a vida tem poucos dos sonhos coloridos que eu teci na minha infância e que a felicidade se encontra na rusticidade e beleza de uma flor do campo ou na elegância e leveza do voo de um colibri. Impossível para quem não é flor ou não tem asas.
Oh! Intrépido tempo! não me venha insinuar que passaste igual para todo mundo, você não passou com a mesma intensidade, generosidade ou velocidade com que passou para mim. Devolva meus quinze anos que eu não vi passar e por isso não o vivi. Meus projetos para o futuro que não pude realizar, o namoro na pracinha, minha paixão por “zefinha” que me despertava desejos e teve o condão de me encantar. Você pode me dizer por onde ela anda ou como ela está?
Oh! Malvado tempo! Permita-me reencontrar Isabella, que eu a chamava de “bella” numa redundante comparação. Quero voltar a desfilar com ela nos blocos de carnaval, fantasiados de pierrot e colombina, namorar escondido na esquina, voltar ao Clube Intermunicipal e dançar de rosto colado ao som dos PholhasBe Gees ou Queen, que fizeram eu me apaixonar por ela e ela por mim.
Oh! Impávido tempo! li em algum lugar que você é o senhor da razão, mas não me deu razões para acreditar quando também me disseram que você cura todos os males pois deixou que algumas de minhas feridas sentimentais ficassem incicatrizáveis. Você corrói, destrói, muda as pessoas, leva amigos e sepulta amores. Sim, você corroeu alguns dos meus amores, destruiu minha beleza (desculpe a presunção), levou vários amigos e sepultou muitos dos meus dos desejos.
Oh! Tempo, tempo, tempo! Não tenho medo de você, tenho respeito, pois aprendi que, dependendo das circunstâncias, você pode ser remédio ou veneno, se tornar um aliado ou um inimigo, que não podes ser medido com uma régua nem calculado pelos ponteiros de um relógio, e que és impiedoso e cruel com os que insistem em alterar o teu ciclo ou abreviar o teu ritmo, mas você não pode voltar... e eu posso! Mas nem por isso vou continuar vivendo de saudade, porque, como bem disse-me um poeta: “saudade de amores ausentes não é saudade, é lembrança. Saudade só é saudade quando morre a esperança”. E meu coração, depois de todos esses anos, pode até não estar batendo no mesmo compasso, mas ainda sonha e acredita. Afinal, sonhos não têm prazo de validade e acredita que “O amor não faz o mundo girar, mas faz com que ele valha a pena” por isso eu vou continuar a buscá-lo, esteja ele, no passado, no presente ou no futuro!
Atenciosamente,
Jacinto Saudade Aquino Peito
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Escrito por Adenildo Aquino, para a coletânea CARTAS NÃO ESCRITAS, do Projeto Apparere que busca incentivar novos autores a publicarem seus contos, crônicas, prosas, poesias etc. O livro Coletânea CARTAS NÃO ESCRITAS será lançado dia 11.06.2021