quinta-feira, 25 de maio de 2023
Agora Inês é morta
"É uma história tão antiga quanto o tempo — dois amantes injustamente separados. Mas embora o romance do rei Pedro 1º e Inês De Castro comece com nuances de Romeu e Julieta, termina de forma bem mais macabra — imagine a história de amor de Shakespeare com um final de filme de terror".
Com essas palavras, a jornalista e escritora Holly Williams descreve para a BBC Culture um dos relatos históricos mais adaptados de todos os tempos e que gerou uma famosa expressão da língua portuguesa: "Agora Inês é morta".
Baseado em uma história real ocorrida em Portugal na Idade Média, o mito de Pedro e Inês tem tudo, como diz Williams: desde um amor juvenil arrebatador até a coroação de um cadáver.
De acordo com uma crônica escrita por volta de 1440 pelo historiador português Fernão Lopes, cerca de 100 anos antes o príncipe Pedro 1º havia se apaixonado por Inês de Castro, filha de um nobre espanhol que era dama de companhia de sua esposa.
O pai de Pedro, o rei português Afonso 4º, não aprovou o romance e exilou Inês. Mas após a morte da esposa de Pedro, a exilada voltou a Portugal, reencontrou o amante e teve quatro filhos com ele.
A história não tem, no entanto, um final feliz.
O rei Afonso e seus conselheiros continuavam a discordar daquela união. Em 1355, decidiram que a presença de Inês representava uma ameaça à linhagem real portuguesa e mandaram matá-la.
Ela foi sepultada na cidade de Coimbra, enquanto Pedro jurava vingança.
O príncipe liderou uma revolta contra o pai, iniciando uma guerra civil em Portugal. Quando subiu ao trono, após a morte do pai em 1357, foi atrás dos dois assassinos de sua amada e arrancou-lhes o coração.
Pedro também jurou fazer de Inês rainha de Portugal, mesmo depois de morta. Em 1360, vários anos após o assassinato, desenterrou seu corpo em decomposição e levou-o em procissão de Coimbra a Alcobaça, onde foi sepultado regiamente, para que um dia Pedro pudesse repousar eternamente a seu lado.
"Essa é uma história sombria e surpreendente, mas quando se transformou em um mito amplamente recontado, ficou ainda mais obscura, e o final desconcertante da história foi ampliado para incluir uma visão mais literal da ideia de coroar uma rainha morta", escreve Williams.
Retirado do site: https://www.bbc.com/portuguese/geral - em 25.05.22
A Avó, a Cidade e o Semáforo
Quando ouviu dizer que eu ia à cidade, Vovó Ndzima emitiu as maiores suspeitas:
– E vai ficar em casa de quem?
– Fico no hotel, avó.
– Hotel? Mas é casa de quem?
Explicar, como? Ainda assim, ensaiei: de ninguém, ora. A velha fermentou nova desconfiança: uma casa de ninguém?
– Ou melhor, avó: é de quem paga – palavreei, para a tranquilizar.
Porém, só agravei – um lugar de quem paga? E que espíritos guardam uma casa como essa?
A mim me tinha cabido um prémio do Ministério. Eu tinha sido o melhor professor rural. E o prémio era visitar a grande cidade. Quando, em casa, anunciei a boa nova, a minha mais-velha não se impressionou com meu orgulho. E franziu a voz:
– E, lá, quem lhe faz o prato?
– Um cozinheiro, avó.
– Como se chama esse cozinheiro?
Ri, sem palavra. Mas, para ela, não havia riso, nem motivo. Cozinhar é o mais privado e arriscado ato. No alimento se coloca ternura ou ódio. Na panela se verte tempero ou veneno. Quem assegurava a pureza da peneira e do pilão? Como podia eu deixar essa tarefa, tão íntima, ficar em mão anônima? Nem pensar, nunca tal se viu, sujeitar-se a um cozinhador de que nem o rosto se conhece.
– Cozinhar não é serviço, meu neto – disse ela. – Cozinhar é um modo de amar os outros.
Ainda tentei desviar-me, ganhar uma distração. Mas as perguntas se somavam, sem fim.
– Lã, aquela gente tira água do poço?
– Ora, avô…
– Quero saber é se tiram todos do mesmo poço…
Poço, fogueira, esteira: o assunto pedia muita explicação. E divaguei, longo e lento. Que aquilo, lá, tudo era de outro fazer. Mas ela não arredou coração. Não ter família, lá na cidade, era coisa que não lhe cabia. A pessoa viaja é para ser esperado, do outro lado a mão de gente que é nossa, com nome e história. Como um laço que pede as duas pontas. Agora, eu dirigir-me para lugar incógnito onde se deslavavam os nomes! Para a avó, um país estrangeiro começa onde já não reconhecemos parente.
– Vai deitar em cama que uma qualquer lençolou?
Na aldeia era simples: todos dormiam despidos, enrolados numa capulana ou numa manta conforme os climas. Mas lá, na cidade, o dormente vai para o sono todo vestido. E isso minha avó achava de mais. Não é nus que somos vulneráveis. Vestidos é que somos visitados pelas valoyi e ficamos à disposição dos seus intentos. Foi quando ela pediu. Eu que levasse uma moça da aldeia para me arrumar os preceitos do viver.
– Avó, nenhuma moça não existe.
Dia seguinte, penetrei na penumbra da cozinha, preparado para breve e sumária despedida, quando deparei com ela, bem sentada no meio do terreiro. Parecia estar entronada, a cadeira bem no centro do universo. Mostrou-me uns papéis.
– São os bilhetes.
– Que bilhetes?
– Eu vou consigo, meu neto.
Foi assim que me vi, acabrunhado, no velho autocarro. Engolíamos poeiras enquanto os alto-falantes espalhavam um roufenho ximandjemandje. A avó Ndzima, gordíssima, esparramada no assento, ia dormindo. No colo enorme, a avó transportava a cangarra com galinhas vivas. Antes de partir, ainda a tentara demover: ao menos fossem pouquitas as aves de criação.
– Poucas como? Se você mesmo disse que lá não semeiam capoeiras.
Quando entrámos no hotel, a gerência não autorizou aquela invasão avícola. Todavia, a avó falou tanto e tão alto que lhe abriram alas pelos corredores. Depois de instalados, Ndzima desceu à cozinha. Não me quis como companhia. Demorou tempo de mais. Não poderia estar apenas a entregar os galináceos. Por fim, lá saiu. Vinha de sorriso:
– Pronto, já confirmei sobre o cozinheiro…
– Confirmou o quê, avó?
– Ele é da nossa terra, não há problema. Só falta conhecer quem faz a sua cama.[…]
Autor: MiaCouto - ”O Fio das Missangas”
– E vai ficar em casa de quem?
– Fico no hotel, avó.
– Hotel? Mas é casa de quem?
Explicar, como? Ainda assim, ensaiei: de ninguém, ora. A velha fermentou nova desconfiança: uma casa de ninguém?
– Ou melhor, avó: é de quem paga – palavreei, para a tranquilizar.
Porém, só agravei – um lugar de quem paga? E que espíritos guardam uma casa como essa?
A mim me tinha cabido um prémio do Ministério. Eu tinha sido o melhor professor rural. E o prémio era visitar a grande cidade. Quando, em casa, anunciei a boa nova, a minha mais-velha não se impressionou com meu orgulho. E franziu a voz:
– E, lá, quem lhe faz o prato?
– Um cozinheiro, avó.
– Como se chama esse cozinheiro?
Ri, sem palavra. Mas, para ela, não havia riso, nem motivo. Cozinhar é o mais privado e arriscado ato. No alimento se coloca ternura ou ódio. Na panela se verte tempero ou veneno. Quem assegurava a pureza da peneira e do pilão? Como podia eu deixar essa tarefa, tão íntima, ficar em mão anônima? Nem pensar, nunca tal se viu, sujeitar-se a um cozinhador de que nem o rosto se conhece.
– Cozinhar não é serviço, meu neto – disse ela. – Cozinhar é um modo de amar os outros.
Ainda tentei desviar-me, ganhar uma distração. Mas as perguntas se somavam, sem fim.
– Lã, aquela gente tira água do poço?
– Ora, avô…
– Quero saber é se tiram todos do mesmo poço…
Poço, fogueira, esteira: o assunto pedia muita explicação. E divaguei, longo e lento. Que aquilo, lá, tudo era de outro fazer. Mas ela não arredou coração. Não ter família, lá na cidade, era coisa que não lhe cabia. A pessoa viaja é para ser esperado, do outro lado a mão de gente que é nossa, com nome e história. Como um laço que pede as duas pontas. Agora, eu dirigir-me para lugar incógnito onde se deslavavam os nomes! Para a avó, um país estrangeiro começa onde já não reconhecemos parente.
– Vai deitar em cama que uma qualquer lençolou?
Na aldeia era simples: todos dormiam despidos, enrolados numa capulana ou numa manta conforme os climas. Mas lá, na cidade, o dormente vai para o sono todo vestido. E isso minha avó achava de mais. Não é nus que somos vulneráveis. Vestidos é que somos visitados pelas valoyi e ficamos à disposição dos seus intentos. Foi quando ela pediu. Eu que levasse uma moça da aldeia para me arrumar os preceitos do viver.
– Avó, nenhuma moça não existe.
Dia seguinte, penetrei na penumbra da cozinha, preparado para breve e sumária despedida, quando deparei com ela, bem sentada no meio do terreiro. Parecia estar entronada, a cadeira bem no centro do universo. Mostrou-me uns papéis.
– São os bilhetes.
– Que bilhetes?
– Eu vou consigo, meu neto.
Foi assim que me vi, acabrunhado, no velho autocarro. Engolíamos poeiras enquanto os alto-falantes espalhavam um roufenho ximandjemandje. A avó Ndzima, gordíssima, esparramada no assento, ia dormindo. No colo enorme, a avó transportava a cangarra com galinhas vivas. Antes de partir, ainda a tentara demover: ao menos fossem pouquitas as aves de criação.
– Poucas como? Se você mesmo disse que lá não semeiam capoeiras.
Quando entrámos no hotel, a gerência não autorizou aquela invasão avícola. Todavia, a avó falou tanto e tão alto que lhe abriram alas pelos corredores. Depois de instalados, Ndzima desceu à cozinha. Não me quis como companhia. Demorou tempo de mais. Não poderia estar apenas a entregar os galináceos. Por fim, lá saiu. Vinha de sorriso:
– Pronto, já confirmei sobre o cozinheiro…
– Confirmou o quê, avó?
– Ele é da nossa terra, não há problema. Só falta conhecer quem faz a sua cama.[…]
Autor: MiaCouto - ”O Fio das Missangas”
Você já pensou nisso?
Daqui a 100 anos, por exemplo, em 2123, estaremos todos enterrados com nossos familiares e amigos.
Estranhos viverão em nossas casas, que lutamos tanto para construir e possuirão tudo o que temos hoje. Todas as nossas propriedades serão de desconhecidos, que nem nasceram ainda.... inclusive aquele carro que vc gastou uma fortuna, provavelmente estará num ferro velho, na melhor das hipóteses estará nas mãos de um colecionador desconhecido.
Nossos descendentes pouco ou quase ninguém saberão quem fomos, nem se lembrarão de nós. Quantos conhecemos o pai do nosso avô?
Depois de nossa morte seremos lembrando por alguns anos, depois seremos apenas um retrato na estante de alguém e alguns anos depois nossa história, nossas fotos, nossos feitos vai para a lata do lixo do esquecimento da história... não seremos nem lembranças.
Talvez se um dia a gente parasse para analisar estás questões, iríamos perceber o quão ignorante e fraco era o sonho de se conseguir tudo...
Se nós puséssemos pensar nisso, certamente nossas abordagens, pensamentos mudariam, seriamos outras pessoas...
Ter cada vez mais, sem ter tempo para o que realmente vale a pena nesta vida ....trocaria tudo isso por viver e desfrutar daqueles passeios que nunca tive....daqueles abraços não dados....daquele beijos nos filhos e em nossos amores.... daquelas brincadeiras que não tivemos tempo. Esses com certeza seriam os melhores momentos a lembrar, afinal encheriam as nossas vidas de alegria.....E que desperdiçamos, com cobiça, ganância, intolerância dia após dia!
Ainda há tempo para nós! Mude!!
Depois de nossa morte seremos lembrando por alguns anos, depois seremos apenas um retrato na estante de alguém e alguns anos depois nossa história, nossas fotos, nossos feitos vai para a lata do lixo do esquecimento da história... não seremos nem lembranças.
Talvez se um dia a gente parasse para analisar estás questões, iríamos perceber o quão ignorante e fraco era o sonho de se conseguir tudo...
Se nós puséssemos pensar nisso, certamente nossas abordagens, pensamentos mudariam, seriamos outras pessoas...
Ter cada vez mais, sem ter tempo para o que realmente vale a pena nesta vida ....trocaria tudo isso por viver e desfrutar daqueles passeios que nunca tive....daqueles abraços não dados....daquele beijos nos filhos e em nossos amores.... daquelas brincadeiras que não tivemos tempo. Esses com certeza seriam os melhores momentos a lembrar, afinal encheriam as nossas vidas de alegria.....E que desperdiçamos, com cobiça, ganância, intolerância dia após dia!
Ainda há tempo para nós! Mude!!
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