segunda-feira, 9 de julho de 2018

Envelhecer é uma dádiva



               “Envelhecer é uma dádiva”.  Li essa frase na  parede de um consultório geriátrico. Como um “envelhescente”  fiquei  refletindo e procurando quais outras   vantagens temos  além do direito de poder estacionar  em vagas especiais nos shopping centers. Isso pra quem tem carro, porque  pra quem não tem,  só resta usufruir  das passagens gratuitas nos ônibus coletivos urbanos, assim mesmo quando encontra  um motorista camarada que  para no ponto, mesmo ciente de que o passageiro vai extrapolar a meta – por viagem - instituída pela empresa para esse público.  Fora isso a outra vantagem é tentar ser incluído no programa do governo que distribui gratuitamente, comprimidos para pressão arterial. Por constatação própria, as filas em estabelecimentos como supermercados, bancos, farmácias, clinicas etc,  criadas para facilitar o atendimento ao publico “preferencial”, existem muito mais para cumprir determinações legais que propriamente para ser um benefício ou conforto para o sexagenário, pois via de regra levam mais tempo para atender que as  que atendem ao público abaixo da faixa etária em questão.
              Outro dia ouvi de um amigo bem mais novo que eu, que ele tinha medo de envelhecer porque os velhos não tem utilidade social nenhuma. Pensei em discordar mas acho que ele tem razão, até certo ponto.   Os idosos são eternos alvos dos mais variados tipos de bullying ou discriminação. Quem por exemplo já não ouviu:  “Não liga não, ele está velho!” ou “Isso é coisa de Velho!”.  Até criaram eufemismos para disfarçar a discriminação: “Ele esta com problema de DNA” abreviação de “ Data de Nascimento Antiga”, que as vezes é substituída por  “ Isso é problemas de  PVC” ( Porra da Velhice Chegando). E  quando entra na vida sexual dos velhos, ouvem-se as mais diversas gracinhas:

             - Ele dá três por noite: Duas tentativas e uma desistência, ou 
             - Ele dá duas... voltas na fechadura da porta do quarto, ou ainda:
             -  Ele levanta sim... mas três vezes para ir ao banheiro esvaziar a bexiga!
          - Ele faz sexo quase todos os dias! quase segunda, quase terça, quase quarta, quase quinta, quase sexta, quase sábado e quase domingo.
            Victor Hugo tem uma citação afirmando que: “quarenta anos é a velhice dos jovens e cinquenta anos é a juventude dos Velhos”. A expressão, pode até ter efeito motivacional para quem não aceita as marcas implacáveis do tempo, mas é indiferente para quem não têm resistência às leis da natureza.  Cinquenta anos é a fase em que se começa a se  gastar com remédios,  com consultas médicas, com exames disso, exames daquilo.  Esse negócio de dizer que a gente envelhece por fora, e por dentro só envelhece se quiser, é conversa fiada! O nosso organismo é uma máquina, cujas engrenagens sofrem os desgastes normais como qualquer outra feita de ferro ou aço.  Depois dos cinquenta, ficamos igual a carro velho que  quando apresenta um problema, na oficina descobrem-se  diversos outros.  Um amigo meu quando se aposentou, falou que com a grana que receberia  poderia  comprar ( e beber) os  uísques de sua  preferência, mas esqueceu que para isso precisava de um fígado novo. Outro, vivia falando que o coração não cria rugas, mas parou de falar isso depois que implantou um “stent” após o diagnóstico de  doença arterial coronariana.
              Conheço alguns “coroas” que não querem “coroas” . Buscam meninas novas para se relacionarem  (se justificam invocando o ditado que diz que : “para cavalo velho o remédio é capim novo”.) Quando consegue êxito nessas empreitadas pode ir atrás que não foi porque é “gostoso”, mas por que é “gastoso”. Gasta muito para satisfazer o seu e o ego delas.  Há uns enxeridos, que quando xavecam as mocinhas, só contribuem para aumentar o rol de frases e citações do tipo:  “ quem gosta de velho é reumatismo” ou  “quem pega acima de 60 é radar”.  Já Seu Durval, porteiro do prédio, um  cinquentão que  vive dando em cima da mulherada querendo arranjar um casamento, vende a ideia de que   “Panela velha é que faz comida boa”  e que  “ Coco velho é que dá bom azeite” ou  “Pote velho é que esfria água”. Puro desespero de um solteirão convicto de que um dia  vai desencalhar.
              Outro dia, li num para choque de caminhão:  “você sabe que está ficando velho quando  o trabalho começa a dar prazer e o prazer começa a dar trabalho”.  Nem sempre isso é verdade, mas é uma tendência.  A atriz Tônia Carrero declarou certa vez que ouviu uma frase,  que ela classificou como perfeita:  “A velhice é uma prova de que o inferno existe”.  Já o Woody Allen escreveu que  “Não há vantagem em envelhecer: não se fica mais sábio e ainda se sofre com dor nas costas. Recomendo que não o façam”. Eu acrescentaria nesta sua citação que  além da dor nas costas, existe a  artrose, a osteoporose,  artrite, bursite, sinovite e outros “ites”,
              Depois dos cinquenta  deixei  de comemorar  aniversário! Mando  rezar uma missa em ação de graça, tentando  a cada ano, me convencer  ou encontrar motivos para  aceitar se realmente “ envelhecer  é uma dádiva” !


Do Livro: O Cio do Ócio - Contos & Crônicas / Adenildo Aquino - Pág. 89 - São Paulo, Editora Biblioteca 24Horas, 1ª Edição – setembro de 2019       



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