quinta-feira, 26 de dezembro de 2019

Quem deixou meus pais envelhecerem?


O combinado não era eles serem jovens para sempre? 

Meus pais não são velhos. Quer dizer, velho é um conceito relativo. Aos olhos da minha avó são muito moços. Aos olhos dos amigos deles, são normais. Aos olhos das minhas sobrinhas, são muito velhos. Aos meus olhos, estão envelhecendo. Não sei se lentamente, se rápido demais ou se no tempo certo. Mas sempre me causando alguma estranheza. 

Lembro-me de quando minha mãe completou 60 anos. Aquele número me assustou. Os 59 não pareciam muito, mas os 60 pareciam um rolo compressor que se aproximava. Daqui uns anos ela fará seus 70 e eu espero não tomar um susto tão grande dessa vez. Afinal, são apenas números. 

Parece-me que a maior dificuldade é aprendermos a conciliar nosso espírito de filho adulto com o progressivo envelhecimento deles. Estávamos habituados à falsa ideia que reina no peito de toda criança de que eles eram invencíveis. As gripes deles não eram nada, as dores deles não eram nada. As nossas é que eram graves, importantes e urgentes. E de repente o quadro se inverte. 

Começamos a nos preocupar - frequentemente de forma exagerada - com tudo o que diz respeito a eles. A simples tosse deles já nos parece um estranho sintoma de uma doença grave e não uma mera reação à poeira. Alguns passos mais lentos dados por eles já não nos parecem calma, mas sim uma incômoda limitação física. Uma conta não paga no dia do vencimento nos parece fruto de esquecimento e desorganização e não um simples atraso como tantos dos nossos. 

Num dado momento já não sabemos se são eles que estão de fato vivendo as sequelas da velhice que se aproxima ou se somos nós que estamos excessivamente tensos, por começarmos a sentir o indescritível medo da hipótese de perdê-los- mesmo que isso ainda possa levar 30 anos. 

Frequentemente nos irritamos com nossos pais, como se eles não estivessem tendo o comportamento adequado ou como se não se esforçassem o bastante para manterem-se jovens, vigorosos e ativos, como gostaríamos que eles fossem eternamente. De vez em quando esbravejamos e damos broncas neles como se estivéssemos dentro de um espelho invertido da nossa infância. 

Na verdade, imagino eu, nossa fúria não é contra eles. É contra o tempo. O mesmo tempo que cura, ensina e resolve é o tempo que avança como ameaça implacável. A nossa vontade é gritar “Chega, tempo! Já basta! 60 já está bom! 65 no máximo! 70, não mais do que isso! Não avance, não avance mais!”. E, erroneamente, canalizamos nos nossos pais esse inconformismo. 

O fato é que às vezes a lentidão, o esquecimento e as limitações são, de fato, frutos da idade. Outras vezes são apenas frutos da rotina, tão naturais quanto os nossos equívocos. Seja qual for a circunstância, eles nunca merecem ter que lidar com a nossa angústia. Eles já lidaram com os nossos medos todos- de monstros, de palhaços, de abelhas, de escuro, de provas de matemática- ao longo da vida. Eles nos treinaram, nos fortaleceram, nos tornaram adultos. E não é justo que logo agora eles tenham que lidar com as nossas frustrações. Eles merecem que sejamos mais generosos agora. 

Mais paciência e menos irritação. Menos preocupação e mais apoio. Mais companheirismo e menos acusações. Menos neurose e mais realismo. Mais afeto e menos cobranças. Eles só estão envelhecendo. E sabe do que mais? Nós também. E é melhor fazermos isso juntos, da melhor forma.


Escrito por  RUTH MANUS -  Advogada e professora universitária. Lê Drummond, ouve pagode, ama chuchu com bacon e salas de embarque. Dá risada falando de coisa séria. Não perde um XV de Piracicaba contra Penapolense por nada. Sofre de incontinência verbal, tem medo de vaca e de olheiras, que nem todo mundo.

sexta-feira, 20 de dezembro de 2019

Rei Morto, Rei Posto


               Dia desses, Paulo precisava ir até a clínica onde havia marcado uma consulta para iniciar seu check-up periódico. Era um dia carregado de afazeres. Ele já havia feito vários adiamentos e não queria protelar mais uma vez. Precisava cuidar da saúde. O horário agendado coincidia com o horário em que o trânsito provoca na cidade uma efervescência louca. O chamado “horário de pico”. Um fato que aflora a impaciência e afeta a sua baixa resistência ao caos provocado pela desordem e falta de organização do trânsito, que é cada vez mais formado por motoristas deseducados, adeptos da “Lei de Gérson”, transgressores deliberados e, por vezes, ignorantes das regras que o regem. Resolveu deixar o carro em casa e ir a pé. 
               Além de uma decisão fisicamente saudável, era também ecológica e financeira, haja vista que evitava despejar uma parcela, ainda que ínfima, de gás carbônico na natureza, economizava combustível (e, consequentemente, alguns trocados). Sem citar que o pedestrianismo não envolvia nenhuma dificuldade técnica, sendo uma atividade simultaneamente relaxante e agradável, e “muito recomendada para quem, como ele, já estava no segundo degrau da fase do ‘enta’”. Foi como disseram seus colegas de trabalho, quando comentou com eles tal decisão.                
               O trecho a percorrer era em torno de três quilômetros, e, vendo as pessoas encapsuladas num veículo, sem esquecer que ele diariamente fazia parte desse contingente, raciocinou que elas faziam este percurso muito mais por comodismo (ou inconsciência sedentária) que por necessidade, fato que os privavam de algumas descobertas, curiosidades e certos deslumbramentos paisagísticos, só possíveis na caminhada, como ele vinha constatando.  
                  Logo no primeiro quarteirão, cometeu um abuso: acelerou o passo para economizar alguns segundos na travessia de uma rua, num cruzamento cujo semáforo estava na iminência de fechar, mas não deu tempo. A situação exigia uma demanda física que o seu corpo não conseguia atender. Quase foi atropelado. Chegou ao destino. Conferiu o relógio e calculou o tempo da caminhada: em torno de 25 minutos. Feito os procedimentos de identificação, como é de praxe nos consultórios, sentou-se e começou a folhear algumas dessas revistas que os consultórios colocam para entreter os pacientes e lhes aliviar a espera, até serem chamados para o atendimento.  
             A pressão arterial não estava normal, e a frequência cardíaca estava fora dos parâmetros previstos para a sua faixa etária. Ficou preocupado. Não imaginou que estaria muito discrepante das medições feitas nas consultas anteriores.  
                Conversou com o médico sobre a sua façanha de, naquele dia, ter trocado os pedais do carro por um par de tênis e do percurso feito a pé, e o médico aproveitou para ressaltar e apregoar os inúmeros benefícios para a saúde que tal troca proporciona: melhoria da circulação da pressão sanguínea, da frequência cardíaca, além de elevar a autoestima e evitar a depressão (já que a atividade aumenta a produção de serotonina e traz a sensação de bem estar). Dito isso, desafiou-o a fazer uma caminhada de vinte minutos, pelos próximos 30 dias e por, no mínimo, 3 vezes por semana. Fazendo isso, ele passaria da categoria de “inativo” para “moderadamente inativo”. Condição que diminui em torno de 16% a 30% o risco de mortes prematuras. Dados estatisticamente comprovados por pesquisas realizadas por entidades especializadas. Saiu do consultório com o firme propósito de mudar. Em casa, marcou no calendário algumas metas a alcançar, inclusive, a data de retorno ao consultório. 
                   Infelizmente, Paulo não voltou ao consultório na data marcada para prestar contas do seu compromisso com o seu cardiologista. As atribuições e atribulações profissionais o levaram de volta ao universo do sedentarismo. Sem controle de horário para as refeições, sem uma alimentação saudável, sem disciplina no cuidado com sua saúde e sem dar atenção às vozes do seu corpo, sofreu um infarto fulminante na empresa durante uma reunião de negócios. 
              Nas palavras do seu médico, Paulo “passou a engrossar as estatísticas das mortes por sedentarismo, que, no Brasil, perdem apenas para diabetes, tabagismo e hipertensão, fatores de riscos aos quais também estava exposto”.      
                   Quinze dias depois, a empresa apresentou o profissional que iria preencher sua vaga. Rei Morto, Rei Posto. Esse é o mundo corporativo. Dentre os pertences encontrados em uma das gavetas de sua mesa, um livro de autoajuda, presente da esposa, por ocasião do seu último aniversário, com uma dedicatória em forma de desabafo: “Nenhuma flor sobrevive se não souber cultivála”, e, em sequência, uma recomendação e um alerta: “... que você não perca a vida tentando ganhá-la”. Pareceu premonição. Numa outra gaveta, um porta-retratos com fotos do filho caçula, a quem prometera levar à Disney quando completasse dez anos (e não cumpriu). Numa pequena estante ao lado, um troféu conquistado pela excelência no desempenho da função, certamente trocado por sua saúde, por momentos significantes de sua vida pessoal, pela sua felicidade e por algum dinheiro na poupança, que não deu tempo de gastar. 
                 Na missa de 30º dia, reencontrei alguns dos amigos em comum, e um deles lembrou uma frase citada por Paulo num evento de premiação, ao receber um certificado de “honra ao mérito” pelo cumprimento das metas do trimestre anterior: “Tem coisas na vida que não têm preço...”, mas ele esqueceu que a frase estava ncompleta: “... mas muitas têm troco”, e consequências fatais!     


Do Livro: O Cio do Ócio - Contos & Crônicas / Adenildo Aquino - Pág. 57 - São Paulo, Editora Biblioteca 24Horas, 1ª Edição – setembro de 2019       



Gratidão X Ingratidão

Um famoso escritor estava em sua sala de estudo. Pegou a caneta e começou a escrever:

No ano passado precisei fazer uma cirurgia para a retirada da vesícula biliar. Tive que ficar de cama por um bom tempo.

Nesse mesmo ano, cheguei a idade de 60 anos e tive que renunciar ao meu trabalho favorito. Havia permanecido 30 anos naquele editorial.

No mesmo ano, experimentei a dor pela morte de meu pai e meu filho fracassou em seu exame médico porque  teve um acidente  de automóvel e ficou hospitalizado por vários dias. A destruição do carro foi outra perda.

Ao final escreveu:
“FOI UM ANO MUITO MAL!”

Quando a esposa do escritor entrou na sala, o encontrou triste em meio aos seus pensamentos. Por trás dele, leu o que estava escrito no papel.

Saiu da sala em silêncio e voltou com outro papel que colocou ao lado do papel de seu marido.  

Quando o escritor viu o papel, encontrou escrito o seguinte:

No ano passado finalmente me desfiz de minha vesícula biliar, depois de passar anos com dor.

Completei 60 anos com boa saúde e me retirei do meu trabalho. Agora posso utilizar meu tempo para escrever com maior paz e tranquilidade. 

No mesmo ano, meu pai, com a idade de 95 anos, sem depender de nada e sem nenhuma condição crítica, conheceu seu Criador.

Meu carro foi destruído, mas meu filho ficou vivo sem nenhuma sequela. 

Ao final, ela escreveu:
“ESSE ANO FOI UMA GRANDE BENÇÃO!”

Eram os mesmos acontecimentos, mas com pontos de vista diferentes.  
Se refletimos bem, temos inúmeras razões para ser gratos a Deus.  
Não é a FELICIDADE   que nos torna GRATOS,  mas, sim,
a GRATIDÃO  que nos faz FELIZES!
Sempre há algo para agradecer! Você escolhe como escrever sua história!

                                                                      (Desconheço a autoria)