Viver longe dos irmãos é
viver longe de nós mesmos.
Houve um tempo em
que morar na mesma casa é que era o problema. Começamos com as disputas pelos
brinquedos, depois pelo controle remoto, evoluindo para a trilha sonora no
carro e o tempo de ocupação do banheiro. Tudo era razão para eclodir um embrião
de guerra civil.
Todos nós já
desejamos, do alto da nossa imaturidade convicta, que eles desaparecessem
daquela casa. Que eles não acabassem com as bolachas recheadas, não comessem o
último pedaço da lasanha, nem sumissem com as nossas meias preferidas. Já
gritamos enfurecidos, dizendo que preferíamos dividir quarto com um animal
qualquer do que com eles.
E então
os anos passaram e finalmente saímos de casa. Nós ou eles, ou nós e eles.
Carreira, estudos, casamento ou qualquer outra razão fez com que aquele velho
ninho da discórdia passasse a fazer parte apenas da memória e não mais de um
dia a dia conturbado.
Pareceu-nos,
muitas vezes, na ignorância da infância ou na estupidez da adolescência, que a
felicidade seria muito mais viável sem a presença diuturna daquelas criaturas
que insistiam em invadir nosso espaço, apesar de todas as ameaças que
julgávamos lhes fazer.
Mas essa ideia,
como tantas outras que imaginávamos sobre a vida adulta, era uma cilada.
Hoje
descobrimos que é extremamente dolorido ter que aproveitar a presença deles em
eventos com hora marcada para terminar. Almoços, jantares, visitas. Que coisa
sem cabimento. Eles têm hora para ir embora? Eu tenho hora para ir embora? Não,
espera aí. Irmãos não foram feitos para ir embora. Foram feitos para ficar
aqui, para podermos brigar sem pressa, ofender sem querer e amar sem prazo.
Agora nos
flagramos adultos, acelerando as conversas quando nos vemos, tentando
aproveitar-nos ao máximo, lutando contra o relógio. Nos vemos tapando buracos
com mensagens de whatsapp e linkando seus nomes em publicações de redes sociais
que só eles entenderão. E às vezes, como quem sente uma pontada no peito, nos
damos conta de que isso é tão, tão pouco.
As distâncias
variam. Alguns moram a 50 metros, outros a 50km. Outros mais sofridos vivem a
500km ou 5.000km. Em sua medida, todos sabem como doer. Os beliscões de antigamente
foram substituídos por abraços sedentos. E nós descobrimos que os abraços raros
doem muito mais do que os beliscões raivosos.
É bom saber que
todos tomamos algum rumo, ainda que torto. É bom ver que a vida de cada um de
nós caminhou. Mas é quase insuportável a ideia de tornar-se um espectador na
vida de um irmão. Logo nós! Logo nós que sempre fomos os protagonistas de todos
os espetáculos e shows de horrores das vidas deles… Logo nós.
Irmãos nunca
deveriam ficar longe uns dos outros. Juntos sempre foi melhor. Brigando,
criticando, estapeando. O problema é que a vida adulta não nos faculta o luxo
do perdão automático, nem da memória curta. Talvez por isso o tempo nos obrigue
a aceitar alguma distância. Talvez, depois de abandonar a infância, a distância
seja exatamente o que nos mantenha mais unidos.
Não sei. Sei
que, de um modo ou de outro, machuca. Ir embora sem conversar tanto quanto
queria, pedir socorro às tecnologias para sentir-se menos distante, não ter nem
tempo para brigar e beliscar como sempre foi. Mas é uma daquelas dorzinhas de
sorte. Da qual só usufrui quem teve a sorte de ter um irmão presente, que já
foi odiável e irritante, mas que hoje é uma saudade diária e a certeza de que
para estar junto não é preciso estar perto.
Ruth Manus é Advogada e
professora universitária
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