domingo, 13 de dezembro de 2015

                                          



   
EU NÃO GOSTO DE VOCÊ PAPAI NOEL
                       ( Aldemar Paiva* )



          Eu não gosto de você Papai Noel! Também não gosto desse seu papel de vender ilusão para a burguesia. Se os meninos pobres da cidade soubessem o desprezo que você tem pelos humildes; pela humildade, eu acho que eles jogavam pedra em sua fantasia.
Talvez você não se lembra mais, eu cresci me tornei rapaz, sem nunca esquecer daquilo que passou...  Eu lhe escrevi um bilhete pedindo o meu presente... a noite inteira eu esperei contente... Chegou o sol, mas você não chegou. Dias depois meu pobre pai cansado me trouxe um trenzinho velho, enferrujado, pôs na minha mão e falou: tome filho, é para você. Foi Papai Noel que mandou! E vi quando ele disfarçou umas lágrimas com a mão. Eu inocente e alegre nesse caso, pensei que meu bilhete, embora com atraso, tinha chegado em suas mãos no fim do mês.
          Limpei ele bem limpado, dei corda, o trenzinho partiu, deu muitas voltas... O meu pai então se riu e me abraçou pela última vez. O resto eu só pude compreender depois que cresci e vi as coisas com a realidade.
Um dia meu pai chegou assim pra mim como quem tá com medo e falou:
 - Filho, me dá aqui seu brinquedo, eu vou trocar por  outro na cidade.
Então eu entreguei o meu trenzinho quase a soluçar, como quem não quer abandonar um mimo, um mimo que lhe deu quem lhe quer bem. Eu supliquei... Pai! Eu não quero outro brinquedo, eu quero meu trenzinho... Não vai levar meu trem, pai...! Meu pai calou-se e de seu rosto desceu uma lágrima que até hoje creio, tão pura e santa assim, só Deus chorou.  Ele saiu correndo, bateu a porta assim, como um doido varrido.
          A minha mãe gritou:
          - José! José! José...
          Ele nem deu ouvido, foi-se embora e nunca mais voltou... Você! Papai Noel, me transformou num homem que a infância arruinou...Sem pai e sem brinquedo, afinal, dos meus presentes não há um que sobre da riqueza de um menino pobre, que sonha o ano inteiro com a noite de Natal! Meu pobre 
pai,  mal vestido, pra não me ver naquele dia desiludido, pagou bem caro a minha ilusão... Num gesto nobre, humano e decisivo, ele foi longe demais pra me trazer aquele lenitivo; tinha roubado aquele trenzinho do filho do patrão!

        Quando ele sumiu, pensei que ele tinha viajado, só depois de eu grande, minha mãe em prantos me contou que ele foi preso, coitado! E transformado em réu. Ninguém pra absolver meu pai se atrevia. Ele foi definhando na cadeia até que um dia, Nosso Senhor... Deus, nosso Pai... Jesus entrou em sua cela e libertou ele pro ceu.





 * Aldemar Buarque de Paiva, (1925– 2014) Alagoano de nascimentofoi poeta, cordelista, radialista, jornalista, compositor, produtor artístico e publicitário de primeira grandeza. 
            Em 1948 fundou a rádio Difusora de Maceió. Em 1951 como Oficial do Exército, foi transferido para o Recife, atuando inicialmente na Rádio Clube de Pernambuco, em substituição a Chico Anysio, como produtor, apresentador e diretor artístico. Autor de mais de 70 composições musicais, algumas em parcerias com outros compositores. Membro da Academia de Artes e Letras de Pernambuco; Sócio honorário da Academia Maceioense de Letras; Compositor filiado à União Brasileira de Compositores.
            Homem com excepcional talento, era capaz de realizar com maestria tudo aquilo que se propunha a fazer, motivo pelo qual adquiriu o respeito da crítica e a admiração do público em relação a todas as facetas exploradas por sua veia artística, consagrando-se como um artista multimídia antes mesmo que o termo fosse inventado.






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