( Aldemar Paiva* )
Eu não gosto de você Papai Noel! Também
não gosto desse seu papel de vender ilusão para a burguesia. Se os meninos
pobres da cidade soubessem o desprezo que você tem pelos humildes; pela
humildade, eu acho que eles jogavam pedra em sua fantasia.
Talvez você não se lembra mais, eu
cresci me tornei rapaz, sem nunca esquecer daquilo que passou... Eu lhe escrevi um bilhete pedindo o meu
presente... a noite inteira eu esperei contente... Chegou o sol, mas você não
chegou. Dias depois meu pobre pai cansado me trouxe um trenzinho velho,
enferrujado, pôs na minha mão e falou: tome filho, é para você. Foi Papai Noel
que mandou! E vi quando ele disfarçou umas lágrimas com a mão. Eu inocente e
alegre nesse caso, pensei que meu bilhete, embora com atraso, tinha chegado em
suas mãos no fim do mês.
Limpei ele bem limpado, dei corda, o
trenzinho partiu, deu muitas voltas... O meu pai então se riu e me abraçou pela
última vez. O resto eu só pude compreender depois que cresci e vi as coisas com
a realidade.
Um dia meu pai chegou assim pra mim
como quem tá com medo e falou:
- Filho, me dá aqui seu brinquedo, eu
vou trocar por outro na cidade.
Então eu entreguei o meu trenzinho
quase a soluçar, como quem não quer abandonar um mimo, um mimo que lhe deu quem
lhe quer bem. Eu supliquei... Pai! Eu não quero outro brinquedo, eu quero meu trenzinho...
Não vai levar meu trem, pai...! Meu pai calou-se e de seu rosto desceu uma
lágrima que até hoje creio, tão pura e santa assim, só Deus chorou. Ele saiu correndo, bateu a porta assim, como
um doido varrido.
A minha mãe gritou:
- José! José! José...
Ele nem deu ouvido, foi-se embora e
nunca mais voltou... Você! Papai Noel, me transformou num
homem que a infância arruinou...Sem pai e sem brinquedo, afinal, dos meus
presentes não há um que sobre da riqueza de um menino pobre, que sonha o ano
inteiro com a noite de Natal! Meu pobre
pai, mal vestido, pra não me ver naquele dia desiludido, pagou bem caro a minha ilusão... Num gesto nobre, humano e decisivo, ele foi longe demais pra me trazer aquele lenitivo; tinha roubado aquele trenzinho do filho do patrão!
Quando ele sumiu, pensei que ele tinha viajado, só depois de eu grande, minha mãe em prantos me contou que ele foi preso, coitado! E transformado em réu. Ninguém pra absolver meu pai se atrevia. Ele foi definhando na cadeia até que um dia, Nosso Senhor... Deus, nosso Pai... Jesus entrou em sua cela e libertou ele pro ceu.
pai, mal vestido, pra não me ver naquele dia desiludido, pagou bem caro a minha ilusão... Num gesto nobre, humano e decisivo, ele foi longe demais pra me trazer aquele lenitivo; tinha roubado aquele trenzinho do filho do patrão!
Quando ele sumiu, pensei que ele tinha viajado, só depois de eu grande, minha mãe em prantos me contou que ele foi preso, coitado! E transformado em réu. Ninguém pra absolver meu pai se atrevia. Ele foi definhando na cadeia até que um dia, Nosso Senhor... Deus, nosso Pai... Jesus entrou em sua cela e libertou ele pro ceu.
* Aldemar
Buarque de Paiva, (1925– 2014) Alagoano
de nascimento, foi poeta,
cordelista, radialista, jornalista, compositor, produtor artístico e
publicitário de primeira grandeza.
Em 1948 fundou a rádio Difusora de
Maceió. Em 1951 como Oficial do Exército, foi transferido para o Recife,
atuando inicialmente na Rádio Clube de Pernambuco, em substituição a Chico
Anysio, como produtor, apresentador e diretor artístico. Autor de mais de 70 composições musicais, algumas em parcerias
com outros compositores. Membro da Academia de Artes e Letras de Pernambuco;
Sócio honorário da Academia Maceioense de Letras; Compositor filiado à União
Brasileira de Compositores.
Homem com excepcional
talento, era capaz de realizar com maestria tudo aquilo que se propunha a
fazer, motivo pelo qual adquiriu o respeito da crítica e a admiração do público
em relação a todas as facetas exploradas por sua veia artística,
consagrando-se como um artista multimídia antes mesmo que o termo fosse
inventado.
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